rolando borra abaixo como bosta de cobra.
Fui relatado no capítulo da borra.
Em aba de chapéu velho só nasce flor taciturna.
Tudo é noite no meu canto.
(Tinha a voz encostada no escuro. Falava putamente.)
Estou sem eternidades.
Não tenho mais cupidez.
Ando cheio de lodo pelas juntas como os velhos navios naufragados.
Não sirvo mais pra pessoa.
Sou uma ruína concupiscente.
Crescem ortigas sobre meus ombros.
Nascem goteiras por todo canto.
Entram morcegos aranhas gafanhotos na minha alma.
Nos lepramentos dos rebocos dormem baratas torvas.
Falo sem alamares.
Meu olhar tem odor de extinção.
Tenho abandonos por dentro e por fora.
Meu desnome é Antônio Ninguém.
Eu pareço com nada parecido.
Manoel de Barros. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010, p. 469 – 470.